quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O erro de John Locke



Em seu Ensaio sobre o entendimento humano (1689), dividido em quatro livros, John Locke dedica inteiramente o terceiro livro às palavras e aos seus significados. Tendo, na introdução do Ensaio, cometido o erro de considerar as ideias como objetos que nós diretamente apreendemos, ou da qual nos estamos imediatamente conscientes, ele não pôde evitar um erro crucial no seu esforço em explicar como as palavras alcançam seu significado.


Ele estava correto ao pensar que notações sem sentido tornavam-se palavras com sentido voluntariamente impondo-as nos objetos como os nomes dos próprios objetos que são apreendidos. Isto, como nós vimos, permanece para algumas palavras, mas não para todas -- somente àquelas cujo significado depende do conhecimento com o objeto nomeado, não àquelas em que o significado depende de descrições verbais (como aquelas que encontramos nos dicionários).

Locke negligenciou ao observar esta distinção entre significados adquiridos pelo conhecimento direto e significados adquiridos pela descrição verbal. Não obstante, ele estava correto ao afirmar que nossa imposição voluntária para uma notação sem sentido sobre um objeto apreendido é o caminho no qual ao menos algumas palavras pode adquirir seu significado.

Seu erro consistiu em pensar que ideias são os objetos nos quais todas as palavras com sentido se referem diretamente, e nada mais. Dizer isto é dizer que quando um indivíduo usa certas palavras, ele se refere exclusivamente às suas próprias ideias. “Perverter o uso das palavras”, escreve Locke, “traz uma obscuridade inevitável em seu significado, quando nós fazemos [as palavras] permanecer somente às ideias que nós temos em nossa própria mente”.

Locke nega explicitamente que os indivíduos podem usar palavras para se referir às ideias na mente de outrem. Ele ainda negou veementemente que os indivíduos podem usar as palavras para significar as coisas que existem na realidade, suas qualidades ou outros atributos, ou fatos que ocorrem no mundo em que os mesmos indivíduos vivem. Nós não temos e não podemos ter nenhuma consciência destas coisas. Os únicos objetos que nós apreendemos diretamente são nossas próprias ideias.

Enquanto é explícito e convicto nestes dois pontos, Locke, porém, concluiu que a descrição de como as palavras tomam significado e têm significância referencial destrói o objetivo que faz a linguagem tão importante na vida humana – a comunicação. As ideias que cada indivíduo possui em sua mente existem em um território que é completamente privado. Como dois indivíduos podem conversar entre si sobre suas ideias, se as palavras que cada um usa se refere às suas próprias ideias? Ainda mais impactante é o fato que dois indivíduos não podem conversar sobre coisas ou fatos que realmente existem ou acontecem no mundo em que ambos vivem.

Tendo dito que “as palavras não podem ser signos voluntariamente impostos às coisas que um homem não conhece”, e tendo ao longo do Ensaio, afirmado que nós apreendemos diretamente nossas próprias ideias, e não as coisas que existem por si (o qual, de acordo com Locke, age nos nossos sentidos e causa neles as ideias), como pode ele explicar uma conversa entre dois indivíduos sobre o mundo real, que é constituído por “objetos que um homem não conhece”, por exemplo, coisas que um homem não pode apreender diretameLocke não pode explicar satisfatoriamente o uso da linguagem para o propósito da comunicação sobre o mundo real, no qual nós todos vivemos. O esforço que ele faz, para tal, o envolve em uma contradição em que não consegue escapar, ao postular a existência dos objetos físicos, que agindo sobre os nossos sentidos, são as causas originais das ideias que aparecem em nossas mentes; portanto, de acordo com sua própria doutrina, ele não tem nenhum meio de apreender tais objetos físicos e nenhuma base para acreditar em sua existência.

















Os esforços de Locke em explicar o que, para ele, seria inexplicável envolve um segundo passo em sua descrição na significação das palavras. Nossas ideias, sendo representações das coisas que existem na realidade, elas mesmas significam as coisas que elas representam. Nossas ideias, em outras palavras, são signos que se referem às coisas, que diretamente não podemos apreender. Assim sendo, (embora não há modo de explicar como isto acontece) o segundo passo de Locke permite-o dizer que as palavras, significando diretamente nossas ideias, indiretamente se referem às coisas reais que as ideias significam. Consequentemente, nós podemos usar as palavras para falar a um indivíduo não sobre as nossas próprias ideias, mas sobre o mundo real em que vivemos.

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