quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Noções da Estética na Filosofia


Claramente, tentarei ser breve ao formar um esboço sobre a Estética em seus vários períodos. Mas é importante lembrar como a ideia de estética se formou, desde a Antiguidade até os nossos dias. Ao escrever sobre cada período, esforcei-me para não errar nos conceitos definidos por cada filósofo, e além disso: quis passar exatamente aquilo que o filósofo tinha em mente. Pode ser uma tarefa muito grande, mas aqui está um frutuoso rascunho do pensamento estético de cada grande época da Filosofia.
O homem pré-histórico não diferenciava
arte e religião: com as pinturas rupestres
ele invocava os animais que desejava caçar.
Pré-História até a Antiguidade. Não existem muitos registros desta época (até porque a escrita não foi inventada para que se registrasse algo), mas sabe-se que a arte nasceu da expressão religiosa dos cultos, que se desenvolviam nos rituais mágicos. A arte era a expressão do sagrado, sendo considerado algo reservado para iniciados nos mistérios das divindades (veja, por exemplo, o caso das religiões xamânicas, que personificam o “louco” da tribo como o sacerdote e o artista, ou no Antigo Egito, em que se desenvolviam rituais secretos). Várias artes foram desenvolvidas para servir ao sagrado: a música, nos rituais de dança para as invocações das divindades; a escultura, posteriormente, na confecção das imagens dos deuses adorados (chamados pela Bíblia de ídolos). Pode-se destacar, neste sentido, a importância das culturas que desenvolveram a escultura: os hindus, com os seus vários deuses; as culturas cananeia e egípcia, com religiões zoomórficas (deuses em forma de animais); posteriormente, a cultura grega, com o seu Panteão.
Dois deuses gregos: Apolo (à direita) e Dionísio (à esquerda).
Estética Antiga. A arte, para os gregos, é techné, toda atividade humana submetida a regras. Posteriormente, os romanos traduziram o termo grego techné para o termo latino ars, cuja palavra criou a forma portuguesa arte, ou a inglesa art. Os pilares da estética antiga, como não poderia deixar de ser, são fundados pelos dois maiores pensadores gregos: Platão (428-347 a. C) e Aristóteles (384-322 a. C). A estética antiga afirmou que a arte era mimesis, cópia, representação.
Para Platão, a arte era cópia das Ideias perfeitas, que estavam localizadas no Mundo das Ideias. Pertence a Platão aquela famosa frase que “a arte é cópia da cópia”, pois para Platão a realidade sensível já é cópia das ideias perfeitas. Logo, a arte se tornava um meio de alienação do homem, pois esta mostrava a cópia de algo que ja era cópia (no caso, a realidade sensível). Este pensamento tomou atitudes radicais quando, na sua República, Platão deseja excluir os poetas e os escultores.
A estética antiga toma novo impulso com o pensamento de Aristóteles. O estagirita afirma que a arte representa a natureza. Explica Marilena Chauí:
“Arte, para ele[Aristóteles], no entanto, englobava todos os ofícios manuais, indo da agricultura ao que hoje chamamos belas-artes. Assim, a arte, enquanto poiesis, ou seja, “construção”, “criação a partir do nada”, “passagem do não-ser ao ser”, imita a natureza no ato de criar. […]Para Aristóteles, “todos os ofícios manuais e toda a educação completam o que a natureza não terminou.” (CHAUÍ, Marilena. Filosofando: Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 1993)
Aristóteles e Platão (mais velho) na Escola de Atenas,
do pintor italiano Rafael
Para Aristóteles, o homem alcança prazer quando reconhece a coisa representada (ou “copiada”) pela obra-de-arte. Este prazer é denominado pelo filósofo como catarse, a purificação dos instintos. De acordo com Hilton Japiassú¹, o termo catarse designa os ritos de purificação que os candidatos à iniciação devem submeter-se para ingressar na religião. Aristóteles usa deste termo para fazer uma analogia: a arte pode servir ao homem como um objeto de descarga de suas emoções, tornando-o melhor.
Estética medieval. A Igreja utilizou-se muito da pintura e da escultura para fins didáticos e evangelizadores. Para a Igreja da época, as obras-de-arte eram um símbolo que ligava o fiel ao sagrado. Estas, por sua vez, deveriam ser menos exatas e sofisticadas, para que o fiel que não tivesse muito acesso às belas-artes pudesse entender melhor qual a mensagem que aquela obra determinada queria expor. Vale a pena notar que até hoje alguns segmentos da Igreja mantém esta ideia: os monges, principalmente em seus ícones, desenham o pensamento teológico de maneira simplificada, para que o espectador possa olhar a obra-de-arte e alcançar a contemplação do mistério divino.
Santo Agostinho é famoso por abordar na sua filosofia
que o homem possui a saudade de Deus: o homem
possui um anseio infinito de perfeição, que é o próprio Deus.
Para Santo Agostinho (354-450), a música é a maior obra-de-arte: ela, ao contrário das outras belas-artes, é imaterial. A filosofia agostiniana teve grande influência do pensamento platônico, contribuindo para este pensamento. Assim, Agostinho atribui às artes em geral (e principalmente a música) uma função educativa, de levar a pessoa até Deus.
Santo Tomás de Aquino (1227-1274), na contramão de vários séculos em que o pensamento de Agostinho era desenvolvido, pensa sob influência de Aristóteles. Tomás afirma que o mundo, sendo criação divina, pode também ter beleza. O homem, desta maneira, pode voltar sua atenção para as artes. Afirma Marilena Chauí que São Tomás considerava a beleza e o bem a mesma coisa: “A beleza e a bondade de uma coisa são fundamentalmente idênticas”. Assim, São Tomás identifica três condições para que algo seja belo:
  • Perfeição: um objeto destruído ou mal-feito não poderá ser belo;
  • Harmonia: o objeto precisa ter uma harmonia entre suas partes, e destas partes com o espectador;
  • Luminosidade: o objeto deve resplandecer em todas as suas partes.2
Tomás de Aquino, em busca de uma nova filosofia católica, abandonou o pensamento
neo-platônico e baseou-se na ideia de Aristóteles, do árabe Averróis e do judeu
Moisés Maimônides (ou Rambam).
No final da Idade Média o Renascentismo, ansioso pela busca de novos paradigmas que “superassem” o pensamento escolástico, dignificou o trabalho artístico, distinguindo as categorias de trabalho intelectual e trabalho braçal, até então não existentes. Ao contrário do pensamento dos escolásticos, as artes tornaram-se muito mais elaboradas, com a ajuda da matemática e das ciências. Destacam-se os trabalhos de Leonardo da Vinci, Michelangelo, Caravaggio, Rafael e muitos outros artistas. A arte, deixando de ser uma mera representação, e não mais querendo levar o homem a Deus, começou a tomar um caminho próprio. Vale lembrar também que nesta época, é criado o conceito de belas-artes, ou sete artes: a pintura, escultura, arquitetura, poesia, música, teatro e dança.
Estética moderna. Nesta época, o filósofo Alexander Baumgarten cria o termo “estética”, apoiado no termo grego aesthesis, sentir. A ideia que Baumgarten tinha da estética era diferente da ideia atual: a contemporaneidade designa a investigação filosófica que tenha por objeto as artes em geral ou uma arte em específico.
Immanuel Kant afirmou que só é possível conhecer o fenômeno
(aquilo que aparece); é impossível conhecer o númeno (o que
a coisa é de fato). Deste modo, é impossível conhecer a Deus.
O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), como já tratei em outro post, decidiu superar a briga intelectual entre os filósofos empiristas (representados por Hume) e racionalistas (representados por Descartes). O alemão afirma que são duas as fontes do conhecimento: a sensibilidade (que causa o conhecimento a priori) e o entendimento (que causa o conhecimento a posteriori). A estrutura mental do ser humano, que é formada por estas duas matizes, combina sensibilidade e entendimento, de maneira que só é possível conhecer o fenômeno (aquilo que aparece), sendo incognoscível o númeno (a realidade-em-si).
Quando Kant funda a estética transcendental, ele deseja criar bases para um julgamento estético assim como acontece em um julgamento ético. Na estética transcendental, Kant reconhece que existe um fim ou propósito que dá sentido à natureza: “A beleza é a forma da finalidade em um objeto, percebida entretanto separadamente da representação de um fim” (KANT apud JAPIASSÚ, 2008, p. 158). Além disso, para Kant a estética transcendental é a ciência de todos os princípios da sensibilidade a priori. Para Kant, a estética não pode ser a ciência do belo, mas uma crítica do gosto¹: como não podemos conhecer as coisas como são, mas apenas como estas nos aparecem, não é possível fazer asserções de juízo como “algo é belo ou é feio”, mas “isso me aparenta belo ou me aparenta feio”.
A obra de Hegel é profundamente
otimista, baseando-se no conceito
de Geist (Espírito).
Para o filósofo Georg Hegel (1770-1831), a estética é o desenvolvimento subjetivo do espírito a partir do real. Cada época histórica é uma fase do desenvolvimento do Espírito. Para Hegel, o Espírito – em alemão Geist – encarna-se pela última vez na arte romântica¹, que, de acordo com Marilena Chauí, criou os termos “[…]gênio, imaginação criadora, originalidade, expressão, comunicação, simbolismo, emoção e sentimento” (1993, p. 366). A estética romântica atribuiu ao artista a inspiração, uma espécie de “toque divino” que o impele a compor. A partir deste momento, a arte não deve apenas mostrar a beleza, mas também a verdade, de acordo com a inspiração do artista. Além disto, o artista era considerado gênio: não no sentido comum (uma pessoa extremamente inteligente), mas em mostrar habilidades que estão acima do natural; manifestando-se na obra de arte, o gênio permitiria ao espectador entrar em contato com a personalidade do próprio autor. Ao contrário do que pensavam Aristóteles e Kant, a arte exprime a própria realidade, através de meios artísticos. É por este motivo que, desde aquela época até hoje, a arte se reveste de cada vez mais tecnologias para que possa mostrar a realidade de maneira “real”: fotografias de alta definição ou gravações em faixas estéreo, por exemplo.
É fundamentalmente importante lembrar que o pensamento romântico desenvolveu também a ideia de simbolismo3: a arte é um símbolo, ou seja, um objeto que representa outro.
Walter Benjamin, sendo descendente de família
judaica, suicidou-se por medo de represálias
dos nazistas, em 1940.
Estética contemporânea. Quando estava criando este texto, me assustei quando lembrei que deveria falar também sobre a estética contemporânea. Na contemporaneidade, este assunto é muito discutido (vários filósofos dedicaram quase que toda a sua vida para falar sobre a estética!). Vou, porém, ater-me à ideia de Walter Benjamin (1892-1940). Tenho consciência de o que vou escrever sobre ele é simples; melhorarei este texto aos poucos, colocando a ideia de outros filósofos.
Primeiramente, Benjamin cria o conceito de aura: é a absoluta singularidade de um ser, que acontece em um momento único e irrepetível. A aura é o que faz o objeto ser especial naquele momento, transcendendo-o da realidade. Para o alemão, “o valor único da obra-de-arte “autêntica” tem sempre um fundamento teológico, pois mais remoto que seja: ele pode ser conhecido[…].” No seu livro A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, Benjamin denuncia que a pós-modernidade destrói a aura da obra-de-arte. A pressão do mercado em querer tornar a obra-de-arte algo rentável e a própria tecnologia criam uma ruptura na obra-de-arte, trazendo um impacto na relação do homem com o objeto.
Para exemplificar a ideia de Benjamin, cito alguns trechos da poesia Eu, etiqueta, de Carlos Drummond de Andrade:
[…]Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
minha gravata e cinto e escova e pente,
meu copo, minha xícara,
minha toalha de banho e sabonete,
meu isso, meu aquilo,
desde a cabeça ao bico dos sapatos,
são mensagens,
letras falantes,
gritos visuais,
ordens de uso, abuso, reincidência,
costume, hábito, premência,
indispensabilidade,
e fazem de mim homem-anúncio itinerante,
escravo da matéria anunciada.
[…]Onde terei jogado fora
meu gosto e minha capacidade de escolher,
minhas idiossincrasias pessoais,
tão minhas que no rosto se espelhavam,
e cada gesto, cada olhar,
cada vinco da roupa
resumia uma estética?
Hoje sou costurado, sou tecido,
sou gravado de forma universal,
saio da estamparia, não de casa[…].
Eu sou a coisa, coisamente.
(ANDRADE apud CHAUÍ, 1993, p. 50)
Espero que este resumo possa auxiliar um pouco a interpretação e a compreensão da Estética nos variados períodos da Filosofia.

¹ JAPIASSÚ, Hilton. Dicionário básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
2 CHAUÍ, Marilena. Filosofando: Introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 1993.
3 É importante conhecer a concepção de simbolismo na teoria psicanalítica, definido por Hilton Japiassú: “o conjunto de símbolos de significado constante que podem ser encontrados em diferentes produções do inconsciente”

Um comentário:

  1. Oh My GOOODD!! Que blog show menino! Parabéns. Fico muito feliz por saber que vc ta dedicado assim...pelo amor de Deus, continue assim, estudando e escrevendo.

    Ah acho que vc é um Xamã Henrique! Sacerdote e louco hauhauhauhahauhu

    Abração! saudades

    P.S: Platão é um cagão!!! Depois te mando uma "cópia" do chute que eu dei na bunda dele... rsrsrrs Foi eu quem o expulsou da minha República :)

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